Monday, September 14, 2020

TECHO DE PAJA
de Constanza Pasian (11'56''/ 2017)
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A questão da descrição, e suas tantas modalidades, está presente no cerne das disputas que dão unidade aos campos da Arte, da Ciência e da Religião. Pois o ato de descrever o que é possível apreender através dos sentidos está diretamente relacionado aos modos humanos de abstração, organização e comunicação.

Na Ciência, os embates em torno dos conceitos e teorias têm como orientação a natureza mesma do ato descritivo. Enquanto na Religião, ao intentar traduzir em termos propriamente humanos o caráter divino do divino, a descrição assume uma importância particular.

É, portanto, tomando o processo de sua realização como possibilidade mesma do saber que lhe diz respeito (como faz a Ciência), sem, entretanto, deixar de entender este saber como algo que não se dá à despeito da experiência subjetiva (como faz a Religião) que a Arte, à sua maneira, lança mão da descrição de modo próprio.

"Techo de Paja", de Constanza Pasian, é, por assim dizer, um exemplo disso que, no âmbito da descrição, faz distinguir o escopo da Arte dos outros. E isso dito não em termos generalistas, fugindo ao debate, no sentido de que, evidentemente, toda Arte é, à fundo e majoritariamente, um esforço descritivo. Pois "Techo de Paja" ao optar pela abordagem de descrição que lhe define, opta também por fazê-lo paradoxalmente– e é por sobre esta opção que o filme se estrutura.

O que significa dizer que "Techo de Paja", em sua aparente literariedade, não é por fim mais fiel ao real que outros filmes, e nem que, em função de seu demarcado realismo,se aproxime, na prática, de um construto científico. Pois em "Techo de Paja" a descrição se dá em termos intrinsecamente contemplativos, reverentes, aproximando-se também da descrição religiosa – sem compactuar-se com ela –, ao tecer, a partir das franjas do olhar, isto é, daquilo que está para além do horizonte real dos sentidos, um real aproximado, pessoal, que organiza o todo em impressões pouco ou nada objetivas ainda que se aparentando dessa maneira.

E isso porque ao optar pelo caráter específico da descrição que lhe conduz, lança mão do ato de descrever não como retratação fidedigna do real, mas como possibilidade, em termos Estéticos, de uma apropriação deste real descrito (i.e. do produto do olhar como coisa distinta da coisa olhada) em prol de uma ideia de realidade que se emancipa significativamente do real, constituindo seu discurso. Pois seu Realismoé, por assim dizer, idealizado.

E nesse paradoxo, "Techo de Paja" se constitui tendo a descrição como o "dizer" que sustenta seu discurso à despeito do objeto de sua descrição. E é assim que, embora se apresente destinado a mostrar como algo se faz construir pelas mãos humanas (num dado lugar e instante), ele enfatiza, pelo contrário, como ele mostra algo – de modo efêmero, é verdade, como a "palha" do campo, mas ordenado e rígido, ademais, como as amarras que as juntam à estrutura.

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T Augusto Pereira 
  (Pássaro Preto)

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