Thursday, July 25, 2019

 
Joaquín Polo: "Nunca filmei um único material em minha vida que não reforçasse a luta pela justiça, pela liberdade e pela soberania popular"


Gostaria, primeiramente, que me contasse sobre o nascimento e o processo de maturação de sua preocupação pessoal acerca dos temas trabalhados e defendidos em seu filme
"Ríos de la Patria Grande".
 
"A preocupação por temáticas sociais, e particularmente aquelas centradas nas histórias de luta e sangue de nossos povos latino-americanos, tem me rondado desde sempre. Quando eu era apenas um adolescente comecei um curso de cinema documentário para garotos e garotas, pensando que talvez no cinema eu encontraria uma ferramenta para reforçar a militância que eu estava começando a desenvolver no colégio secundarista, no fim da crise de 2001 na Argentina. Definitivamente, não me confundi; não apenas descobri uma linguagem capaz de expressar ideias e conceitos, mas também capaz de alterar a realidade e gerar impressões nas plateias. Isso me levou a estudar Artes Visuais na Universidade Nacional de La Plata e a graduar-me, por fim. Com uma ideia bem definida de cinema, busquei por toda minha carreira fazer coincidir linguagem audiovisual com a possibilidade de refletir sobre a realidade política, cultural, economia e social de nossa região, e é aí onde, precisamente, me encontro com o Novo Cinema Latino-americano. Começo a descobrir uma série de filmes, autores e teorias sobre um cinema de grande compromisso social (Fernando Birri, Santiago Álvarez, Julio García Espinosa, etc.). Tais conhecimentos não costumam ser compartilhados nas universidades de cinema, e por isso mesmo demandam um esforço maior para serem adquiridos, já que não estão estar incluídos nos currículos tradicionais. Por exemplo, pelos corredores de minha própria universidade circularam personalidades como Raymundo Gleyzer, Humberto Ríos, Alejandro Malowicki, aqueles jovens que formaram o Grupo de Cinema Peronista, etc. No cerne deste processo de resgate de nosso cinema, me deparo diretamente com a figura de Humberto Ríos e por muitas idas e vindas no desenvolvimento de uma possível película sobre sua pessoa, me engajo em um projeto de tese que me levou a realizar uma investigação no Centro Universitário de Estudos Cinematográfico (CUEC) da Universidade Autônoma Nacional do México, processo que culmina com a realização de
Ríos de la Patria Grande."

No documentário (Ríos de la Patria Grande) as idéias/discurso da personagem dividem o espaço com as ideias do próprio filme (isto é: as suas ideias, e as de sua equipe).
 
Com esta introdução, te faço a seguinte pergunta:
O que veio primeiro? A vontade de realizar um filme sobre (o cineasta) Ríos? Ou a necessidade de realizar um filme sobre a Pátria Grande?
 

Humberto Ríos, por sua idade (85 anos) e experiência, sua capacidade de oratória,  dedicou-se a construir laços e pontes entre os cineastas de diferentes países da região. E gerou uma grande união no exílio mexicano, mas, mesmo antes disso, conseguiu unir os integrantes do Cine Liberación e do Cine de la Base, movimentando-se livremente nos dois âmbitos, já que, de alguma forma, entendia que todos lutavam contra a mesma coisa: um capitalismo selvagem que excluía a maioria da população. Deste modo, foi uma peça fundamental na história do Cinema Novo Latino-americano. Desde os anos de exílio mexicano até quase seus últimos anos de vida, se dedicou a docência, gerando novas pontes entre as diferentes gerações. Tudo isso  me levou a pensar que Humberto era a personagem perfeita para fazer um filme, e, a partir daí, me abri a história de nosso cinema e ao nascimento do movimento ao qual foi parte fundamental. Eu tinha a história viva do cinema novo latino-americano na minha frente e não podia abrir mão disso. 
 
Alguns planos de seu filme, em especial os primeiros passos e detalhes de seu silencio contemplativo, refletem, em minha percepção, um desejo inconcluso por sua desmistificação, como se ainda não houvéssemos podido (ou pior, como se não pudéssemos) realizá-la satisfatoriamente na limitada duração de uma projeção.
 
Gostaria de ouvir um pouco acerca de sua experiência e oportunidade de se aproximar de uma figura tão transcendente, na condição peculiar de exercer o mesmo ofício que fez dele tão importante para a história do cinema nacional argentino e continental latino-americano. Como habitar os espaços entre admirador e cineasta num mesmo momento? 

Neste sentido, me aconteceu algo muito peculiar. Com Humberto, e, em particular com toda aquela geração de cineastas que tive a oportunidade de entrevistar, estabeleci laços de amizade e grande colaboração entre projetos audiovisuais e políticos distintos. Tais relações se foram estreitando mais e mais com o passar do tempo, tanto que me levou a compreender profundamente a toda essa geração que lutou (e ainda o faz) para alcançar uma sociedade mais justa, e, a partir dessa compreensão, me identificar com eles e elas, com seus modos de entender a realidade e o cinema latino-americano. Isso me fez transpor o véu da admiração e me entender como parte desse movimento apesar de pertencer a outra geração, e de hoje compreender que muitos deles (os que hoje já não estão por aqui) são meus companheiros do passado, e que a luta contra os poderes concentrados segue intacta -- e continua a mesma. Não os considero estátuas ou bustos em museus (e tampouco os seus filmes), e isso me deu uma enorme liberdade na hora de abordar o tema, de utilizar fragmentos de seus filmes e de intervir diretamente na montagem deles, sem o temor de faltar com o respeito a uma geração da qual creio que, de alguma maneira, todos fazemos parte.


por T Augusto Pereira

[Tradução de uma entrevista que fiz com o cineasta argentino, Joaquín Polo, para a revista LaRaya,
publicada no dia 26 de Janeiro de 2018. Leia o artigo original aqui] 

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